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Revista Forense
CLÁSSICOS FORENSE
PARECERES E JURISPRUDÊNCIA
PROCESSO CIVIL
REVISTA FORENSE
Recurso – Reclamação – Recurso extraordinário – Coisa julgada
Revista Forense
01/10/2021
REVISTA FORENSE – VOLUME 144
NOVEMBRO-DEZEMBRO DE 1952
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 144
CRÔNICA
DOUTRINA
- A desapropriação por interesse social – Carlos Medeiros Silva
- Da desapropriação de títulos de crédito, ações e bens corpóreos sitos no estrangeiro – Amílcar de Castro
- O poder de polícia e seus limites – Caio Tácito
- A condição espacial do Estado e a propriedade privada – João José de Queirós
- A nova lei do mandado de segurança – M. Seabra Fagundes
- O dano moral e sua reparação – José de Aguiar Dias
- A luta contra a fraude fiscal – Camille Rosier
PARECERES
- Salário – Abono – Incorporação – Prorrogação de prazo – Lei e regulamento – Francisco Campos
- Recurso – Reclamação – Recurso extraordinário – Coisa julgada – Antão de Morais
- Locação – Direitos e deveres do locatário – Propriedade rural – Alvino Lima
- Edifício de apartamento – Área de serventia exclusiva – Servidão – Pontes de Miranda
- Sociedades por ações – incorporação de reservas legais ao capital – João Eunápio Borges
- Vereador – gratuidade do mandato – ajuda de custo – direito adquirido – Caio Mário da Silva Pereira
- Duplicata – comissão e consignação mercantil – Jorge Alberto Romeiro
NOTAS E COMENTÁRIOS
- As classificações teóricas da receita pública – Bilac Pinto
- Responsabilidade do proprietário em face do direito de construir e das obrigações oriundas da vizinhança – João Procópio de Carvalho
- Delitos do automóvel – Lourival Vilela Viana
- Aposentadoria de funcionário públicos – Dario Pessoa
- Caducidade de marcas de indústria e comércio – Aloísio Lopes Pontes
- O segredo profissional e suas limitações – Hugo de Meira Lima
- Segrêdo – Segrêdo profissional – Segredo de correspondência – João de Oliveira Filho
- Meios e processos de pesquisa na moderna perícia de documentos – José Del Picchia Filho
- Reconhecimento de firmas, letras e de sinais públicos – Otávio Uchoa da Veiga
- Homenagem ao Desembargador Abel Sauerbronn de Azevedo Magalhães – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
BIBLIOGRAFIA
JURISPRUDÊNCIA
- Jurisprudência Civil e Comercial
- Jurisprudência Criminal
- Jurisprudência do Trabalho
LEGISLAÇÃO
LEIA O ARTIGO:
Sobre o autor
Antão de Morais, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Recurso – Reclamação – Recurso extraordinário – Coisa julgada
- A reclamação, como medida corregedora, há de se exercer nos próprios antes em que ocorreu a alegada ofensa à coisa julgada, e não em processo diferente, onde a verificação da suposta lesão, por falta de elementos e de prova, seja impossível ou imperfeita.
- Para reparar lesão já consumada, só há um remédio, esgotados os recursos legais: é a ação rescisória.
PARECER
Em famoso inventário que se processa nesta capital, foi a sentença, que homologou a partilha, confirmada em grau de apelação. Com essa decisão não se conformaram uma herdeira e legatária e o testamenteiro, seu marido, interpondo recurso extraordinário. Como não houvesse fundamento para êsse recurso, dêle se não tomou conhecimento por votação unânime.
Acontece, porém, que os recorrentes alegaram haver essa decisão ofendido a coisa julgada, pois desrespeitou o acórdão do Supremo Tribunal Federal que deu provimento ao recurso extraordinário, oposto contra a decisão do Tribunal de Apelação de São Paulo na ação de nulidade do testamento com que faleceu a de cujus. A vista disso, propôs o relator se examinasse e resolvesse a matéria por via de reclamação.
Instruindo a consulta com os elementos necessários, indaga o consulente no primeiro quesito:
“Não tendo tomado conhecimento do recurso extraordinário, podia o egrégio Supremo Tribunal Federal determinar a solução da matéria mediante reclamação?”
Com o necessário respeito, respondo sem hesitar: não podia.
Sempre foi regra em nosso direito que recursos só há os que a lei expressa e taxativamente concede. Comentando o antigo Cód. de Proc. Civil e Comercial do Estado de São Paulo, CÂMARA LEAL (vol. 5, página 344) frisou bem êsse princípio: “Todo recurso deve ser assentado em uma lei que o faculte”.
Do exame da legislação comparada, reportada por êsse escritor, verifica-se que os Códigos brasileiros de processo civil nunca deixaram de ser expressos e limitativos quanto à enumeração dos recursos. O Cód. de Proc. Civil vigente não autoriza inteligência diversa quando diz, no art. 808, que
“São admissíveis os seguintes recursos: apelação, embargos de nulidade ou infringentes do julgado, agravo, revista, embargos de declaração e recurso extraordinário”.
Além dêsses, outros não há. É irrelevante a circunstância de não haver no texto o adjetivo só, como rezava o art. 1.068 do Código paulista:
“Só se admitem os seguintes recursos…”
ou uma forma peremptória, como a do Código do Rio Grande do Sul:
“Não se admitirão outros recursos senão os de…”
Redação do art. 808 do Código de Processo Civil
A redação enumerativa do art. 808 do Cód. de Proc. Civil não deixa de ser restritiva, pelo fato da ausência de limitação expressa, porque é da natureza dos recursos não poderem ser criados pelas partes ou pelo Poder Judiciário. Também o art. 465 do antigo Codice di Procedura Civile italiano estava redigido em forma simplesmente concessiva como a do Código brasileiro; e, todavia, sempre se entendeu tratar-se de casos taxativamente determinados, como se pode ver em MORTARA, “Commentario”, vol. IV, 4ª edição, nº 112, pág. 202.
É por isso que vários ministros do Supremo Tribunal Fedem não aceitam o recurso de reclamação, ou só o aceitam em casos especialíssimos. No próprio julgamento de que te trata, assim se manifestou o Sr. ministro HAHNEMANN GUIMARÃES: “Quanto, entretanto, à aceitação da matéria como reclamação, data venia, não posso concordar com V. Exª, porque considero a reclamação remédio estranho ao regime processual vigente; não é a reclamação forma processual admissível. Tenho-o reiteradamente sustentado no Tribunal Pleno“.
Na reclamação nº 127, afirmou o Sr. ministro JOSÉ LINHARES (“Arq. Judiciário”, vol. 95, pág. 273): “Não conheço da reclamação em hipótese, alguma, porque ela não existe na processualística brasileira“.
O Sr. ministro FILADELFO AZEVEDO acha inconstitucional o dec.-lei nº 2.928, de 31 de outubro de 1940, que restaurou a reclamação e o Conselho de Justiça (“Um Triênio de Judicatura” vol. 5, pág. 184). E o Sr. ministro RIBEIRO DA COSTA assim aprecia a medida na reclamação n° 115 (“Arquivo Judiciário”, vol. 92, pág. 266): “A órbita de jurisdição reservada ao Supremo Tribunal Federal pela Carta Política vigente se restringe aos casos expressamente previstos nos ns. I, II, III e IV do art. 101; seja originária a sua competência ou decorrente de provocação da parte, mediante recurso hábil e adequado, em nenhum dos casos em que ela se verifica há de encontrar-se a modalidade processual, acentuadamente de caráter disciplinar, chamada reclamação.
“A Côrte Suprema, por sua posição no quadro constitucional, que a alça à condição de poder, não exerce sendo excepcionalmente função corregedora; esta, em casos típicos e isolados, reflete apenas a repercussão, extensão e efeitos de seus julgados, em cumprimento dos quais se avocou legítima intervenção, obstando, pela forma de reclamação, ao desrespeito ao decreto judicial”
Se bem compreendi esta passagem, a função que, em casos típicos e isolados, o Supremo Tribunal Federal, excepcionalmente, pode exercer por via da reclamação, é apenas disciplinar, corregedora e jamais judicante. Isso mesmo se infere, ainda, das seguintes considerações com que o eminente juiz justifica a sua teoria: “O poder ou função atribuído ao juiz, de declarar o direito aplicável aos fatos que lhe são submetidos, ou jurisdição, é matéria de direito público, não podendo ser alterada nem pelas partes nem pelos juízes. Tôda invasão, delegação ou prorrogação de atribuições vicia o processo (JORGE AMERICANO, “Código de “Processo Civil do Brasil”, 1° vol., pág: 252).
“O conteúdo do poder jurisdicional é determinado pela competência, que JOÃO MENDES diz ser a medida da jurisdição, por limitar concretamente a extensão do exercício desta em cada caso. Assim, define-a como o limite assinalado ao juiz, quer em relação aos litigantes, quer ao fato ou causa, quer quanto ao território ou lugar; a competência supõe jurisdição, mas esta não impõe aquela”.
Contornos da reclamação
Isto mesmo foi repetido na reclamação nº 127 (“Arq. Judiciário”, vol. 95, pág. 273). Na reclamação nº 126 (“Arq. Judiciário”, vol. 96, pág. 264), idêntica doutrina foi sustentada pelo Sr. ministro EDGAR COSTA: “A competência dêste Tribunal é matéria de ordem constitucional; quando não se exerce originàriamente, sòmente se exercita por via de recursos naqueles casos expressos em lei. O Sr. ministro RIBEIRO DA COSTA já teve oportunidade, em voto aqui proferido, de acentuar, com procedência, que pela sua posição no quadro constitucional, que o eleva à condição de poder, êste Tribunal não exerce, senão excepcionalmente, função corregedora, isto é, segundo sua jurisprudência, quando em causa a extensão e os efeitos de seus julgados, intervindo para obstar, através de reclamações, ao seu desrespeito.
“A reclamação, ou representação, tem o caráter de remédio disciplinar, e como tal é admitido, por lei, na organização judiciária do Distrito Federal. Como medida, porém, de ordem jurisdicional não é recurso previsto no nosso regime processual“.
Mas, como função corregedora, ela há de se exercer nos próprios autos em que ocorreu a alegada ofensa à coisa julgada e não em processo diferente, onde a verificação da suposta lesão, por falta de elementos e de prova, seja impossível ou imperfeita. Assim, na espécie, o momento oportuno de reclamar seria por ocasião do despacho de deliberação da partilha. Sendo essa decisão irrecorrível, a reclamação ase o nosso processo a admitisse) teria aí o seu momento exato. A reclamação, como resulta do artigo 2º, nº III, do dec.-lei nº 2.726, de 31 de outubro de 1940, é essencialmente preventiva.
Visa à “emenda de erros ou abusos, que importem a inversão tumultuária dos atos e fórmulas da ordem legal do processo, quando para o caso não haja recurso”. Isto, todavia, já não será possível após a sentença. Proferida esta, só restam os recursos legais ou a rescisória. Não é possível anular decisões com medidas puramente disciplinares. É o que muito bem ensina o desembargador SEABRA FAGUNDES (“Direito”, vol. 46, página 280): “Se assim é, a reclamação mencionada na Lei de Organização Judiciária deve restringir-se a um simples remédio de disciplina da magistratura, embora com indiretas repercussões no processo.
“Erigi-la em meio de reforma dos julgados tidos por menos certos, equivaleria a instituir um recurso, sem figura nem forma, de juízo, porque isento de prazo de interposição, de trâmites formais preestabelecidos, aplicável a todos os casos em que recurso específico não houvesse. E, para melhor ressaltar o absurdo, considere-se a situação privilegiada da parte que, não podendo apelar ou agravar, teria por si, sem a premência de um lapso de tempo, assinado na lei, para impugnar a decisão, e sem as restrições muitas vêzes impostas ao pedido, um recurso elástico no prazo de interposição e no conteúdo.
“A reclamação só tem oportunidade quando o ato do juiz imponha uma medida de correção, isto é, quando signifique um abuso ou irregularidade no poder de direção processual. O Tribunal, ao prover o pedido, não escolhe, entre duas opiniões, uma que lhe pareça melhor, como sucede nos recursos; o que faz é restaurar a lei violada”.
Na reclamação nº 127 (“Arq. Judiciário”, vol. 95, nº 273), o grande jurista que é o Sr. ministro OROZIMBO NONATO declarou que admite, em principio, “a reclamação quando é forma heróica, única e extrema de fazer cessar a invasão da competência dêste Tribunal ou quando a instância inferior desrespeita decisão desta Suprema Côrte”.
Como medida corregedora, para obstar à injúria à coisa julgada, compreende-se a medida. Mas, para reparar a lesão já consumada, só um remédio há, esgotados os recursos legais: é a ação rescisória. Isso no próprio julgamento do recurso extraordinárias nº 13.828, que estou examinando, foi bem acentuado pelo Sr. ministro HAHNEMANN GUIMARÃES: “Trata-se por conseguinte de interpretar uma decisão. Se houver infração da coisa julgada, caso é para ação rescisória, que é a forma precisa, adequada, prevista no art. 798, inciso I, letra b, se não me engano, do Cód. de Proc. Civil.
Não posso, neste ensejo, com maior razão, acolher a reclamação, porque o Cód. de Proc. Civil dá a forma processual própria para que a parte prejudicada possa fazer valer o seu direito. Se foi prejudicada com a infração da coisa julgada, segundo pretende, a solução não é a reclamação, remédio desconhecido no sistema processual atual; a solução é a rescisória“.
Código de Processo Civil Italiano
Esta teoria está rigorosamente de acôrdo com a doutrina. O art. 517, nº 8, do antigo Codice di Procedura Civile italiano previa, como motivo de cassação, a ofensa à coisa julgada, se a sentença fôsse proferida em exceção oposta. Se, como no caso, nenhuma exceção foi articulada, o remédio já não seria a cassação (recurso análogo ao nosso recurso extraordinário); mas a revocazione (recurso análogo à nossa ação rescisória).
É do que nos informa CHIOVENDA, “Istituzioni”, vol. 2, nº 414, pág. 603, 2ª edição: “Excesso de poder é ainda a pronúncia “contra um julgado precedente, quando haja decisão na exceção de coisa julgada. Se não foi proposta exceção de coisa julgada, a ofensa ao julgado se pode corrigir sòmente com o pedido de rescisão“.
A razão dêste conceito, de que só mediante a rescisória se pode vingar a ofensa feita ao julgado, provém de que, do contrário, se converteria um juízo exclusivamente de direito, como é a cassação, em um juízo de mérito. Com muita clareza UGO ROCCO (“L’Autorità della Cosa Giudicata”, página 427) o põe de manifesto: “A explicação da disposição contida no art. 517 do Cód. de Proc. Civil, n° 8, que seria desejável fôsse modificada, deve achar-se no conceito do legislador que decidir se há coisa julgada e, portanto, se cabe a exceção de coisa julgada, é mera questão de fato; de onde a necessidade de retirar tal questão da competência da Côrte de Cassação, para não transformar a Côrte Suprema em um juízo de mérito“.
ROCCO não aceita de todo o princípio, embora reconheça ter sido essa a vontade do legislador, porque nem sempre a sentença tem teor duvidoso, bastando simples confronto para dirimir a questão; e, quando surgisse a matéria de fato, a Côrte sustaria o julgamento, remetendo as partes para a instância competente. Ainda com êste temperamento, raramente poderia a Suprema Côrte decidir se houve ou não violação da coisa julgada, visto que, em tal caso, como tem decidido a jurisprudência italiana, o exame deveria cingir-se ao mero confronto das decisões, sem possibilidade de invocar outros meios de convicção.
É o que se pode verificar em MATTIROLO, vol. 4, nº 1.059, pág. 959, 5ª edição, onde expõe o ponto de vista da Cassação de Turim, a qual, embora não aceitando inteiramente a idéia de que “il giudice di merito è sovrano esclusivo apprezzatore e interprete del fatto”, circunscreve, todavia, o exame da interpretação dos juízes de mérito aos mais estreitos limites: “declarou, porém, que esta interpretação só poderia ser objeto de seu exame quando se contivesse nos limites da pura sentença de que se quer derivar a coisa julgada, sem possibilidade de voltar à análise dos atos que a precederam, cuja interpretação é vedada à Cassação.
“Mas o trabalho interpretativo da Cassação, embora prêso a êsses confins, afigurava-se menos conforme com a natureza e com o caráter de jurisdição da Côrte Suprema. Daí vir a Côrte de Turim a estabelecer, gradativamente, a máxima (que ora adotou definitivamente) segundo a qual a interpretação dada pelos juízes de mérito ao julgado invocado como base da exceção rei judicatae escapa ao exame e à revisão da Cassação; contudo, equiparando os julgados aos contratos, acrescentou que o manifesto engano do julgado, à semelhança do que ela constantemente afirma quanto ao engano no contrato, é meio de cassação; por isso, conclui que a Suprema Côrte pode e deve anular, por violação da coisa julgada, a sentença de mérito atacada sòmente quando, do mero confronto de tal sentença com a invocada como base da exceção rei judicatae e, assim, sem necessidade de nenhuma outra indagação, apareça evidente a contradição das duas sentenças, ou seja, o engano do julgado anterior, oriundo da sentença atacada em Cassação”.
Entretanto, nem com esta moderação as Cassações de Nápoles, Roma e Florença aceitam a teoria de poder a interpretação errônea ser modificada nesse recurso extraordinário, por se não tratar de questão jurídica e apenas de questão de fato. É do que nos informa ainda o mesmo MATTIROLO (vol. 4, nº 1.056, pág. 956): “O juiz de mérito, ao repelir a exceção rei judicatae, pode errar de dois modos distintos: ou porque a sua decisão é o resultado de um êrro de direito, enquanto se inspira num falso conceito jurídico dos requisitos legais da exceção da coisa julgada; ou também porque, sem de maneira alguma desconhecer os extremos de direito, que constituem a exceção de coisa julgada, interpreta e aprecia mal a sentença invocada em sustentação da referida exceção, e, assim, declara errôneamente não existir de fato os requisitos, que são necessários por lei para dar vida à exceção proposta.
“No primeiro caso, não há e não pode haver dúvida; trata-se da negação de um fato, a qual é efeito imediato, ou seja, o resultado direto de um êrro de direito; será lícito, portanto, denunciar à Cassação o êrro de direito (a violação do art. 1.351 do Cód. Civil), o qual foi a premissa e a causa do êrro de fato.
“Pelo contrário, no segundo caso, trata-se de um êrro considerado como de puro fato, isto é, de critério, de interpretação, de apreciação: o juiz de mérito examinou a sentença oferecida como base da exceção de coisa julgada, avaliou-lhe, estimou-lhe o dispositivo; e expressou o resultado desta sua apreciação, declarando que de fato não concorre a tríplice identidade(eadem res, eadem causa petendi et excipiendi, eadem conditio personarum), exigida pelo citado art. 1.351. Ora, tal juízo pode ser verdadeiro e pode também ser errôneo, mas é sempre um juízo de mero fato, o qual, como tal, deverá livrar-se do exame e de revisão da Côrte de Cassação: se esta, na verdade, não pode ocupar-se do fato, êle deve ser mantido qual provém do juízo de mérito, não se compreendendo como, havendo o magistrado de mérito decidido tive não existe de fato a exceção da coisa julgada, possa querelar-se na Côrte Suprema por suposta violação da lei com relação à coisa julgada.
“Neste sentido explicaram-se constantemente as Cassações de Nápoles, de Roma e de Florença”.
Aplicações no Brasil
No Brasil, diversa não pode ser a solução. Na órbita do recurso extraordinário descabem questões de fato. E o que esclarece magnìficamente o professor FRANCISCO CAMPOS (“Direito Constitucional”, página 227): “Foi violada alguma disposição literal da lei federal? Foi julgada inválida ou inexistente uma lei federal? Na sua decisão, a Justiça local julgou válido um ato do govêrno local, contestado em face da Constituição ou da lei federal? Os tribunais de última instância nos Estados interpretam diferentemente a mesma lei federal?
“Tais as questões que o recurso extraordinário devolve ao conhecimento ou ao exame da Côrte Suprema. De que natureza são essas questões? São, não há dúvida, questões meramente de direito, e, tôdas elas, em suma, relativas à supremacia da Constituição e das leis federais, de cuja aplicação é a Justiça dos Estados um dos instrumentos, sob a única reserva de que as suas decisões poderão ser revistas pela Côrte Suprema sempre que a propósito delas se levantar a questão, sôbre todos os pontos relevantes no regime federativo, de se o direito federal aplicável à espécie foi efetivamente aplicado pelos tribunais dos Estados.
“A Côrte Suprema, nos casos levados ao seu conhecimento mediante o recurso extraordinário, só entra no exame da questão federal suscitada no litígio, e a questão federal é, precisa e restritamente, uma questão meramente legal ou puramente de direito, ou se resume em saber se, decidindo o caso, a Justiça local o decidiu tendo em vista, o direito federal aplicável à espécie. Sôbre outras questões, a Côrte Suprema não tem jurisdição, ou, em relação a elas, a Justiça local decide definitivamente ou sem recurso”.
EPITÁCIO PESSOA, talvez no melhor estudo que já se fêz no Brasil sôbre o recurso extraordinário, ensina (“Rev. de Direito”, vol. 5, pág. 451): “Forçoso é circunscrever o debate ao direito positivo e analisar a Constituição como ela é e não como devia ser. Ora, a verdade é que a Constituição não autoriza o recurso quando a Justiça do Estado aplica de qualquer modo, bem ou mal, a lei da União, mas sòmente quando decide contra a sua aplicabilidade, isto é, quando, seja por que motivo for, deixa de aplicá-la, entende que não é aplicável ao caso sujeito.
“Dar ao recurso a extensão que se pretende é que não é possível. Seria aniquilar de fato a independência do Poder Judiciário local. Por isto mesmo que todos os pleitos versam exatamente sôbre a aplicação de leis federais, isto é, sôbre a aplicação do direito civil, comercial e penal da República e manifesto que todos êles seriam irrecusàvelmente levados até o Supremo Tribunal, uma vez que a parte vencida teria sempre o direito de acoimar de errônea, a aplicação que ao texto legal desse a Justiça do Estado. E assim o Supremo Tribunal teria de examinar de meritis tôdas as causas, para confirmar ou reformar as sentenças recorridas, o que vale dizer que as decisões dos juízes locais já não poriam têrmo, nas matérias de sua competência, aos processos e às questões, como prescreve a Constituição no art. 61…
“Parece-nos, por isto, que bem traduziu o pensamento da Constituição a lei nº 221, de 1894, quando no art. 24, preceituou que a simples interpretação ou aplicação do direito civil, comercial ou penal, não basta para legitimar a interposição do recurso.
A aplicação da lei pressupõe a sua interpretação, tomada esta no sentido mais extenso; se o juiz local aplica, seja em que sentido fôr, mas aplica efetivamente a lei da União, êle o faz depois de interpretá-la de acôrdo com a sua consciência e o seu critério de juiz, com a sua inteligência e os seus estudos, a natureza e as circunstâncias do fato; se esta interpretação falseia os intuitos do legislador e não é corrigida na segunda instância, será caso, para lamentar-se o êrro judiciário, que, assim, de modo irreparável, vem sacrificar o direito individual, mas não poderá autorizar o recurso extraordinário, que aí importaria recusar à Justiça do Estado a primeira regalia de uma justiça autônoma, que é o direito de interpretar livremente as leis“.
PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição de 1946”, vol. 2, pág. 229, f) explana, magistralmente, a matéria, mostrando que o recurso extraordinário deve constituir simples reexame in jure, advertindo que “tudo aconselha a que o Supremo Tribunal Federal não transforme o recurso extraordinário numa apelação, fazendo-se um tribunal de recursos ordinários das justiças locais”.
Os impedimentos do Código de Processo Civil
O egrégio Supremo Tribunal Federal guardou êsses princípios ao julgar o recurso extraordinário de que se trata, tanto que, por unanimidade de votos, dêle não conheceu. Não tendo conhecido, podia convertê-lo em reclamação? Já vimos que não podia, porque nenhuma lei o autoriza e, ao contrário, o Cód. de Proc. Civil o impede.
Impede, primeiro, quando cria para o caso remédio específico (art. 798, I, b). Impede, ainda, porque, por êrro grosseiro, a parte não pode interpor um recurso por outro (art. 810). Ora, se o recurso adequado era o de reclamação, êste é que devia ser usado e não o recurso extraordinário.
Impede, mais, porque da mesma decisão não é lícito interpor dois recursos (art. 809). Entretanto, no caso, a parte, para corrigir a mesma sentença, beneficia-se de dois remédios.
Mas, se com relação aos artigos do Cód. de Proc. Civil, atrás referidos, é possível objetar-se que não se deve tolher à parte o benefício de uma solução, cuja iniciativa o Supremo Tribunal Federal tomou, pelo superior motivo de resguardar a sua alta autoridade ainda caberá apelar-se para o artigo 4° do Cód. de Processo a fim de verificar se a colenda Côrte podia conceder oficiosamente um remédio que a parte não pediu. É muito controvertida a tese de saber se a exceção de coisa julgada pode ser conhecida de ofício.
GUSMÃO (“Coisa Julgada”, página 11), acompanhando a maioria dos escritores franceses e italianos, segundo disse, e à semelhança do que ocorre com a prescrição de direitos patrimoniais, julgou a princípio que o juiz não pode conhecer ex officio da coisa julgada. Ao depois, modificou sua opinião. PEDRO BATISTA MARTINS, depois de aceitar a negativa (vol. 1, nº 36, página 55), parece que adotou a solução positiva (vol. 2, ns. 145 e 155). PEREIRA BRAGA (“Exegese do Código de Processo Civil”, volume 2, pág. 441) é pela negativa.
Sem tomar partido nessa discussão, entendo que ela deve sofrer exame separado quando se trata do recurso extraordinário; e aqui, à semelhança do que ocorre com o ricorso per cassazione, é certo que a Côrte Suprema não pode tomar a iniciativa de anular a decisão recorrida por um leio não alegado pela parte, ainda que se trate da coisa julgada.
Esta demonstração acha-se cabalmente feita na conhecida e autorizada obra de CALAMANDREI “La Cassazione Civile”, vol. 2, págs. 229, nota 1, e 257, nota 2, ns. 95 e 100, da edição de 1920. O caráter absoluto e, segundo alguns, de ordem pública da coisa julgada nada têm que ver com êste assunto, conforme luminosamente expõe o consagrado mestre da Universidade de Siena.
A ofensa à coisa julgada é uma violação da norma jurídica, segundo doutrina aceita pelo vigente Codice di Procedura Civile italiano, consoante mostra o Prof. ZANZUCCHI (“Diritto Processuale Cavile”, vol. 2; pág. 249, nº 22, 4ª edição). Essa norma jurídica se contém no art. 6° do dec.-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução ao Cód. Civil brasileiro). Disso nenhuma dúvida pode haver, bastando ler ESPÍNOLA (“A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro”, vol. 1, nº 110, pág. 362).
Entretanto, embora aludindo à lesão da coisa julgada, êsse dispositivo não foi invocado no recurso extraordinário. Parece que a reclamação não pode suprir esta falta (veja-se CALAMANDREI, acima citado, principalmente a nota ao nº 100). Aliás se a reclamação se sugere como remédio heróico, por não haver outro (embora haja; com tôdas as garantias de defesa, a ação rescisória), como negar, no recurso extraordinário, a possibilidade de invocação do art. 6° da Lei de Introdução? A escolher entre recurso e recurso, êste pelo menos leva, sôbre a reclamação, a vantagem de se apoiar em lei.
Mas – houve quem escrevesse – lei existe e consta do Regimento Interno. Convém não passe sem oposição essa corruptela de que, pela Constituição e pelo Código de Processo, os tribunais têm competência normativa para elaborar sua lei processual. Esta competência é só do Poder Legislativo e qualquer delegação seria nula (Constituição federal, art. 36, § 2°). O art. 97, nº II, da Constituição federal, alude apenas à competência “para elaborar seus regimentos internos”. Os arts. 869 e 1.049 nenhuma competência normativa estabelecem. Seria absurdo que os regimentos dos tribunais pudessem fixar regras contra legem ou normas de obrigação externa que não sejam simplesmente regulamentares.
Reclamação como recurso do fato ou do direito
Eis o que, a propósito, ensina PEDRO LESSA (“Do Poder Judiciário”, § 24, pág. 84): “Alterar a competência do juízo para o processo e julgamento das ações rescisórias, por meio de disposições insertas no regimento de um tribunal, importa: 1º) estatuir num regimento de tribunal de segunda instância matéria estranha e descabida, pois o regimento de um tribunal só pode conter normas concernentes à sua economia interna, além da transcrição de leis e regulamentos que o tribunal julgue conveniente reproduzir no regimento, o qual nunca deve encerrar preceitos, formulados pelo tribunal, para o fim de regerem a primeira instância, isto é, destinados a vigorar fora do tribunal; 2º) violar o princípio de direito judiciário que serve de fundamento à instituição das duas instâncias, princípio que constitui uma garantia para o direito das partes; a eliminação da primeira instância é o cerceamento manifesto dessa garantia, que a Constituição do Império consagrava em um dos seus artigos; 3°) finalmente, infringir a Constituição federal, que, no art. 59, enumera os casos em que o tribunal julga originária e privativamente preceituando que, nos demais, decidirá em segunda instância“.
Esta lição de PEDRO LESSA afasta qualquer dúvida quanto ao suposto poder normativo processual dos tribunais. Ficou, assim, bem justificada a resposta negativa dada ao primeiro quesito. Não existe lei criando a reclamação como recurso do fato ou do direito: sua função é meramente disciplinar corregedora, e não deve exercer-se nem fora dos autos, em que se verifica a suposta violação nem quando esta se consuma na sentença.
O art. 101, nº III, da Constituição federal não prevê outro recurso além do recurso extraordinário; e êste com a limitação de não julgar matéria de fato. Sendo matéria de fato a violação da coisa julgada, no que diz com os elementos que a compõem, não pode ser objeto do recurso extraordinário e muito menos, nessa instância de exceção, pode ser suscitada de ofício. Finalmente, a ausência de lei criadora do recurso não pode suprir-se no Regimento Interno.
Os outros dois quesitos não exigem resposta circunstanciada. O segundo, na hipótese de ser conhecido o recurso, se existe ofensa à coisa julgada, é matéria tão perfeitamente elucidada nos memoriais que me foram presentes, que basta lê-los para firmar convicção segura: não houve de nenhum modo a pretendida violação. A sentença incriminada se filia imediatamente aos votos proferidos no Supremo Tribunal Federal.
Em nenhum dêsses votos se faz a menor alusão à propriedade das apólices do Reajustamento Econômico. Daí decorre não ser possível inferir a lesão do julgado pela simples acareação das sentenças. Mister se faz apelar para provas estranhas ao teor delas, o que escapa à missão do Supremo Tribunal, que só diz do direito e não também do fato. Acresce atéia impossibilidade jurídica da violação, porque a sentença, que se diz ofendida, teve fim diverso do que se pretende: julgou apenas a validade da cláusula e não também o alcance do legado. A contestação da lide e o dispositivo da decisão lançam sôbre o assunto luz indiscutível.
Finalmente, o terceiro quesito – Qual o meio de que o consulente deve lançar mão se fôr provida a reclamação? – é, igualmente, de fácil resposta. Havendo voto vencido, caberá embargos (“Arq. Judiciário”, vol. 95, pág. 241), nos têrmos do art. 833 do Cód. de Processo, porque a reclamação, nesse caso, operará com fôrça de ação rescisória. Se fôr unânime a decisão, ocorre, consoante acima se esclareceu, ação rescisória, por ter sido a reclamação provida contra lateral disposição de lei. A Constituição federal e o Cód. de Proc. Civil, nos dispositivos acima referidos, constituirão sólido fundamento da ação.
É o que, sem quebra do maior respeito e admiração que tenho pelos eminentes juízes que sustentam opinião oposta, se me ofereceu aduzir como resposta à consulta.
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